Depois de umas férias prolongadas, chegou a hora de arregaçar as mangas e voltar a trabalhar.
Na minha pós estou começando um módulo muito interessante - Educação Psicomotora.
Já no primeiro a professora trouxe um texto maravilhoso.
Sobre abacates e crianças
Paulo Afonso Caruso Ronca
Paulo Afonso Caruso Ronca
Você pode me dizer qual é o gosto do abacate?
Não, não pode e é simples o raciocínio a nos orientar: o que se sente não é passível de ser explicado. Se o for, já não é mais sensação ou sentimento, em essência, pois, oriundos de outro canal cerebral, raspam as portas da razão.
Você me diria qual é o gosto do abacate?
Não, não, é impossível. Veja: passaram-se milhões de anos desde que a natureza o criou, chegamos com a ciência e a tecnologia a níveis inacreditáveis de perfeição, comunicamo-nos rapidamente, encurtando distâncias... e... ninguém pode me dizer qual o gosto do abacate.
Em que pese nascerem de um mesmo abacateiro, todos eles se parecem, mas são diferentes na forma, tamanho, peso ou cor. Tal fruta, uma das melhores, diga-se, tornar-se-á para mim “abacate”, só quando e se eu o experimentar e, ainda assim, não conseguirei descrever o seu gosto. Quer dizer que existe conhecimento sem uma explicação e longe da razão? Sim, quando for construído pela sensação, pela percepção ou pelos sentimentos.
Se a amiga me perguntasse sobre o gosto do abacate, declararia de pronto a minha ignorância. Diria, também, que só há a possibilidade de me expressar assim: o que eu estou comendo é abacate, isso porque o sabor, o paladar e os critérios para discernir e diferenciá-lo não podem ser expressos. Porém, sabe-se que é um abacate e que se diferencia do abacaxi. Tal e qual os sentimentos: sentimos ódio, amor ou saudade, embora as proporções, a forma, a maneira e a força de cada um deles sejam, igualmente, inexplicáveis. De outro modo, nota-se e sente-se só o que os distingue.
Registre já o leitor que, para sabermos o gosto do abacate, é necessário saboreá-lo, não havendo outra maneira para que tal conhecimento se efetive. Quem dera houvesse! Isso me leva a crer na impossibilidade de construirmos conhecimento significativo, sem as vias da sensação, da percepção e dos sentimentos. O humano é, pois, um prisioneiro perpétuo dessas três dimensões da mente e da existência.
A analogia que faço serve para compreendermos a criança.
Traz-me a vista que todas elas têm parecença, mas são diferentes no tamanho, raças, peso, cor, desenvolvimento e na expressividade. Para conhecê-la é indispensável se relacionar com ela; em linguagem figurada: é forçoso “experimentá-la”. Não há outro jeito. Deveras, o relacionamento, tanto quanto denso e profundo, é o único caminho para a conhecermos e sabermos o que se passa em seu coração ou o que se vai construindo em sua mente.
Não há abacate melhor do que o outro. Há o abacate possível! Como não há criança melhor do que a outra. Ver, sentir as diferenças e lidar com elas pressupõe total esquecimento e distanciamento de comparações. Toda a comparação, neste caso, é ilusória, odiosa e nefasta. Enfim, há a criança possível!
Se isso assim é, deduz-se que ninguém é mais bonito, mais inteligente, esperto, hábil ou arguto. Ninguém é mais, nem menos; somos, tão-somente, diferentes. Eis a nossa salvação e, ao mesmo tempo, a nossa maldição. Salvação, porque nos obriga a uma superdose de humildade, na medida em que nos vemos e nos aceitamos; maldição, dado que a sociedade nada entende de diferenças. Queremos abacates num grande saco, espremidos, apertados, contidos e esganiçados. Quiçá, machucados! Sim, abacates num saco correm o fatal risco de serem esmagados. E crianças em um saco? Conclua, por favor...
As diversidades que emergem diante de nossos olhos nos chocam, nos melindram e constrangem. Conviver com desiguais é difícil e conflituoso, pois fomos acostumados a gostar de abacates gorduchos e sadios e a escolhê-los na banca da feira, às apalpadelas. Muito pelo contrário, crianças não podem ser escolhidas, sob pena de sermos acusados de desastrosa covardia; assim, atirá-las longe do convívio prazeroso e comunitário é ato camuflado de preferência.
O destino do abacate é ser escolhido; o da criança é ser acolhida! Acolher, traduz-se por resguardar, asilar ou reunir. Fundamental obrigação dos adultos.
Obrigação essa, árdua e trabalhosa pois, acredito, não compreendemos e, talvez, nunca poderemos compreender, de fato e de direito, os que são portadores de diferenças, visto que nós somos, ou nos consideramos, “normais”. Somente os que passaram pela experiência de segregação, ou na própria história, ou na de seus próximos e afeiçoados, é que têm idéia de tal fenômeno.
Assim e igualmente, os que enxergam não têm noção do que se passa com um cego, os ricos não entendem as reais necessidades dos pobres, os alfabetizados não sabem nada dos analfabetos e os abastados não atingem o que se passa no corpo e na alma dos esfomeados.
Nós pensamos ser livres. Mera ilusão, pois que vivemos sob rígidas e desastrosas leis impostas por uma sociedade de consumo, que, agressivamente, nos regula os pensamentos, sentimentos e percepções, remetendo a nossa mente para o exercício de ver e só aplaudir as formas, as silhuetas, o belo, o agradável e o vistoso.
Porque não dizer, o rendoso.
Compreender as diferenças requer espírito maduro e solidário, capaz de convívio sem pressupostos, suspeitas ou pressentimentos. Significa acolher a criança tal qual ela se nos apresenta. Sem esse sentimento untado à relação, não há a menor possibilidade de compreensão ulterior.
Entender a diversidade implica ter coração e mente abertos para a aceitação da tese de que cada humano tem o seu próprio desenvolvimento, único, possível e exclusivo, não cabendo a nós sermos juízes dos que atravessam os caminhos de nossa existência.
Aceitar as diferenças físicas, mentais e sociais inclui, necessariamente, arregimentar enérgicas forças pessoais e coletivas para ações práticas, versáteis e planejadas, que visem a hospedar a criança, respeitando-a em palavras, sentimentos e atos. Tal processo, delicado e urgente, a ser vivido sob rituais e liturgias de um amor sociocêntrico, é chamado ‘inclusão’.
Depressa, abacates machucados são postos fora, à míngua e, até, transformam-se em lixos biodegradáveis. Outrossim, crianças não devem ser jogadas fora de lugar nenhum, quanto menos da escola, sob o perigo de se voltarem contra quem praticou tal ato infame e de, o que é o pior, se perderem por este mundo, que, dizem, outrora foi de Deus.
Neste sentido e infelizmente, não temos idéia do caos que nos cerca, não calculamos o tamanho da dívida social e a somatória da conta a pagar que nos esperam amanhã. Semeados os ventos, só tempestades serão colhidas. É lei, e dela tenho certeza, igual a quanta existe em um dicionário.
Tenha o leitor paciência, pois só tenho mais uma palavra: abacate verde é embrulhado em um jornal e, coisa de mágico, de um dia para o outro, surge maduro. É uma ordem da bioquímica.
Com criança é distinto; não há jornal capaz de acelerar o seu passo, posto que necessita cumprir as leis sagradas e divinas, que a orientam e a ordenam galgar, dia após dia, o despenhadeiro do desenvolvimento.
Desenvolvimento lento, todavia, contínuo e diferenciado.
Não, não pode e é simples o raciocínio a nos orientar: o que se sente não é passível de ser explicado. Se o for, já não é mais sensação ou sentimento, em essência, pois, oriundos de outro canal cerebral, raspam as portas da razão.
Você me diria qual é o gosto do abacate?
Não, não, é impossível. Veja: passaram-se milhões de anos desde que a natureza o criou, chegamos com a ciência e a tecnologia a níveis inacreditáveis de perfeição, comunicamo-nos rapidamente, encurtando distâncias... e... ninguém pode me dizer qual o gosto do abacate.
Em que pese nascerem de um mesmo abacateiro, todos eles se parecem, mas são diferentes na forma, tamanho, peso ou cor. Tal fruta, uma das melhores, diga-se, tornar-se-á para mim “abacate”, só quando e se eu o experimentar e, ainda assim, não conseguirei descrever o seu gosto. Quer dizer que existe conhecimento sem uma explicação e longe da razão? Sim, quando for construído pela sensação, pela percepção ou pelos sentimentos.
Se a amiga me perguntasse sobre o gosto do abacate, declararia de pronto a minha ignorância. Diria, também, que só há a possibilidade de me expressar assim: o que eu estou comendo é abacate, isso porque o sabor, o paladar e os critérios para discernir e diferenciá-lo não podem ser expressos. Porém, sabe-se que é um abacate e que se diferencia do abacaxi. Tal e qual os sentimentos: sentimos ódio, amor ou saudade, embora as proporções, a forma, a maneira e a força de cada um deles sejam, igualmente, inexplicáveis. De outro modo, nota-se e sente-se só o que os distingue.
Registre já o leitor que, para sabermos o gosto do abacate, é necessário saboreá-lo, não havendo outra maneira para que tal conhecimento se efetive. Quem dera houvesse! Isso me leva a crer na impossibilidade de construirmos conhecimento significativo, sem as vias da sensação, da percepção e dos sentimentos. O humano é, pois, um prisioneiro perpétuo dessas três dimensões da mente e da existência.
A analogia que faço serve para compreendermos a criança.
Traz-me a vista que todas elas têm parecença, mas são diferentes no tamanho, raças, peso, cor, desenvolvimento e na expressividade. Para conhecê-la é indispensável se relacionar com ela; em linguagem figurada: é forçoso “experimentá-la”. Não há outro jeito. Deveras, o relacionamento, tanto quanto denso e profundo, é o único caminho para a conhecermos e sabermos o que se passa em seu coração ou o que se vai construindo em sua mente.
Não há abacate melhor do que o outro. Há o abacate possível! Como não há criança melhor do que a outra. Ver, sentir as diferenças e lidar com elas pressupõe total esquecimento e distanciamento de comparações. Toda a comparação, neste caso, é ilusória, odiosa e nefasta. Enfim, há a criança possível!
Se isso assim é, deduz-se que ninguém é mais bonito, mais inteligente, esperto, hábil ou arguto. Ninguém é mais, nem menos; somos, tão-somente, diferentes. Eis a nossa salvação e, ao mesmo tempo, a nossa maldição. Salvação, porque nos obriga a uma superdose de humildade, na medida em que nos vemos e nos aceitamos; maldição, dado que a sociedade nada entende de diferenças. Queremos abacates num grande saco, espremidos, apertados, contidos e esganiçados. Quiçá, machucados! Sim, abacates num saco correm o fatal risco de serem esmagados. E crianças em um saco? Conclua, por favor...
As diversidades que emergem diante de nossos olhos nos chocam, nos melindram e constrangem. Conviver com desiguais é difícil e conflituoso, pois fomos acostumados a gostar de abacates gorduchos e sadios e a escolhê-los na banca da feira, às apalpadelas. Muito pelo contrário, crianças não podem ser escolhidas, sob pena de sermos acusados de desastrosa covardia; assim, atirá-las longe do convívio prazeroso e comunitário é ato camuflado de preferência.
O destino do abacate é ser escolhido; o da criança é ser acolhida! Acolher, traduz-se por resguardar, asilar ou reunir. Fundamental obrigação dos adultos.
Obrigação essa, árdua e trabalhosa pois, acredito, não compreendemos e, talvez, nunca poderemos compreender, de fato e de direito, os que são portadores de diferenças, visto que nós somos, ou nos consideramos, “normais”. Somente os que passaram pela experiência de segregação, ou na própria história, ou na de seus próximos e afeiçoados, é que têm idéia de tal fenômeno.
Assim e igualmente, os que enxergam não têm noção do que se passa com um cego, os ricos não entendem as reais necessidades dos pobres, os alfabetizados não sabem nada dos analfabetos e os abastados não atingem o que se passa no corpo e na alma dos esfomeados.
Nós pensamos ser livres. Mera ilusão, pois que vivemos sob rígidas e desastrosas leis impostas por uma sociedade de consumo, que, agressivamente, nos regula os pensamentos, sentimentos e percepções, remetendo a nossa mente para o exercício de ver e só aplaudir as formas, as silhuetas, o belo, o agradável e o vistoso.
Porque não dizer, o rendoso.
Compreender as diferenças requer espírito maduro e solidário, capaz de convívio sem pressupostos, suspeitas ou pressentimentos. Significa acolher a criança tal qual ela se nos apresenta. Sem esse sentimento untado à relação, não há a menor possibilidade de compreensão ulterior.
Entender a diversidade implica ter coração e mente abertos para a aceitação da tese de que cada humano tem o seu próprio desenvolvimento, único, possível e exclusivo, não cabendo a nós sermos juízes dos que atravessam os caminhos de nossa existência.
Aceitar as diferenças físicas, mentais e sociais inclui, necessariamente, arregimentar enérgicas forças pessoais e coletivas para ações práticas, versáteis e planejadas, que visem a hospedar a criança, respeitando-a em palavras, sentimentos e atos. Tal processo, delicado e urgente, a ser vivido sob rituais e liturgias de um amor sociocêntrico, é chamado ‘inclusão’.
Depressa, abacates machucados são postos fora, à míngua e, até, transformam-se em lixos biodegradáveis. Outrossim, crianças não devem ser jogadas fora de lugar nenhum, quanto menos da escola, sob o perigo de se voltarem contra quem praticou tal ato infame e de, o que é o pior, se perderem por este mundo, que, dizem, outrora foi de Deus.
Neste sentido e infelizmente, não temos idéia do caos que nos cerca, não calculamos o tamanho da dívida social e a somatória da conta a pagar que nos esperam amanhã. Semeados os ventos, só tempestades serão colhidas. É lei, e dela tenho certeza, igual a quanta existe em um dicionário.
Tenha o leitor paciência, pois só tenho mais uma palavra: abacate verde é embrulhado em um jornal e, coisa de mágico, de um dia para o outro, surge maduro. É uma ordem da bioquímica.
Com criança é distinto; não há jornal capaz de acelerar o seu passo, posto que necessita cumprir as leis sagradas e divinas, que a orientam e a ordenam galgar, dia após dia, o despenhadeiro do desenvolvimento.
Desenvolvimento lento, todavia, contínuo e diferenciado.
Fonte: www.microeducacao.com.br/Artigos/PauloCarusoRoncaArquivo.h
Na minha opinião como professora fazemos com nossos alunos o que fazemos com os abacates na hora de preparar um creme. Durante a minha formação fui preparada para trabalhar com "abacates ideais" ou seja com alunos ideais. Me formei em 1988 - faz tempo, no magistério em Mogi Mirim no interior de São Paulo, na época eu tinha 18 anos. Em minhas salas de aulas ao passar do tempo nunca encontrei os meus alunos ideias. No começo fiquei chocada quando encontrei crianças de verdade com seus sentimentos e angustias, pois não sabia o que fazer com eles por que eu sentia que não falava a mesma lingua deles.
Na minha opinião como professora fazemos com nossos alunos o que fazemos com os abacates na hora de preparar um creme. Durante a minha formação fui preparada para trabalhar com "abacates ideais" ou seja com alunos ideais. Me formei em 1988 - faz tempo, no magistério em Mogi Mirim no interior de São Paulo, na época eu tinha 18 anos. Em minhas salas de aulas ao passar do tempo nunca encontrei os meus alunos ideias. No começo fiquei chocada quando encontrei crianças de verdade com seus sentimentos e angustias, pois não sabia o que fazer com eles por que eu sentia que não falava a mesma lingua deles.
Para minha sorte nunca pensei em desistir pelo contrário fui buscar respostas. Depois de muitos anos, já casada e morando aqui em São Paulo fui fazer Pedagogia, me formei em 2004. Nem preciso dizer que descobri que a educação é a minha paixão. Consegui mudar algumas convicções, descobrir minhas influências teoricas, mas principalmente consegui compreender como se dá o processo de aprendizagem.
Para finalizar, em alguns momentos ainda me pego procurando os abacates/alunos ideais ou então tentando moldar meus alunos para transformá-los em alunos ideais. Minha desculpa se é que eu tenho uma é que por tradição educacional, ou seja, é força do hábito. Mudar velhos hábitos é muito dificil.
Agora o grande desafio é descobrir o verdadeiro aluno em sua essência e desenvolve-lo como um todo. Mas isto é só na prática para encontrar os caminhos.
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